terça-feira, 3 de maio de 2011

O Leitor Comum
Gunter Karl Pressler (UFPA)

O texto de Rosa Maria Siqueira de Carvalho e Deysiane Teixeira Ferreira, ainda da primeira fase da pesquisa sobre a Estética da Recepção, dedica-se à questão do leitor empírico, na figura de alunos do ensino fundamental. O trabalho foi desenvolvido, baseado nos pressupostos teóricos da Escola de Constança, em vista de uma metodologia que busca “proporcionar condições para que o leitor possa expressar opiniões pessoais a respeito da obra literária com a qual está interagindo” (Ferreira/De Carvalho, 1998). Trata-se de um primeiro levantamento sobre a percepção estética de alunos ainda pouco comprometidos com questões da literatura. Infelizmente, esta pesquisa não continuou depois da saída dos alunos da graduação. Somente anos depois, num outro momento do grupo, começou um levantamento de dados sobre a percepção estética e a receptividade de textos literários com leitores comuns, desta vez, com alunos da graduação, alunos do curso de Letras, tanto em Belém, quanto no interior.
Mesmo preocupado com os métodos da história da literatura (cf. o título da aula inaugural, em 1967, e as publicações, particularmente o famoso volume “verde” da editora Suhrkamp, em 1970), o impacto com a proposta de Hans Robert Jauss recaiu sobre o conceito de leitor. “Jauss formula então um novo conceito de leitor”, constata Maria J.Angeli de Paula, que não sabe explicitá-lo (1994: 185); Elrud Ibsch (1995: 307) prefere “deixar em aberto o sentido do conceito de ‘leitor’”. Horst Steinmetz percebe que “até aí [1967] não existia uma consciência do papel activo do intérperte como receptor” (1981: 152). Mas como conceituar e investigar os diferentes tipos de leitores?

O primeiro reader sobre a Estética da Recepção, de Rainer Warning (1975), ressalta somente a seleção de textos teóricos, excluindo textos de “pesquisa empírica da recepção”, pois esta não constitui uma disciplina dentro “de las ciencias de la literatura, sino mas bien dentro de la sociologia o la psicologia”. A maior preocupação de Warning era de poder conseguir uma descrição textual dos processos de recepção (“Voraussetzung für beides aber ist, daβ die Literaturwissenschaft ihrerseits zunächst einmal Rezeptionsprozesse texttheoretisch beschreiben kann”, 1975/1994: 7; “procesos de recepción desde la perspectiva de la teoría del texto”, 1989: 11). A pesquisa de Rosa Maria Siqueira de Carvalho e Deysiane Teixeira Ferreira ocorreu naquele espaço que Warning considerou ser importante para “la ciencia de la literatura en el marco de uma interdisciplinariedad controlada, es decir, referida a la teoria, y también en el marco de la didática de la literatura” (1989: 11).  
Também em 1975 e dois anos depois, Gunter Grimm apresenta uma pesquisa exausta sobre os processos de recepção por leitores empíricos. Grimm acentuou os seguintes polos: “a concretização adequada da obra” e “o sujeito-receptor como sujeito sócio e culturalmente atuando”. Os polos se entendem como complementares, pois a concretização de uma obra de arte é sempre, diz Grimm, “uma realização do diálogo implícito entre o potencial e o expressivo literário da obra e a leitura de um sujeito em tempo e espaço determinado” (1977: 5). O que significaria “concretização de uma obra de arte”? E como “concretizar o sujeito-receptor ?
A concretização de uma obra de arte (literária) se fixa em articulações orais e escritas. Esses são os primeiros documentos da recepção e fundamentam a história da recepção na perspectiva da história social. Gunter Grimm aponta a pesquisa empírica como imprescindível de todo o processo de recepção e como ponto de partida figura o sujeito-leitor com ênfase na sua configuração sociocultural. O sujeito-leitor é móvel nas formas temporariamente assumidas com possibilidades de leituras variadas.
Grimm marca a importância da pesquisa empírica e critica a teoria da recepção de cunho hermenêutico que se serve da “concretização adequada da obra” em favor da sua própria “Interpretação sintética” da obra de arte: “Gegenüber den Verfechtern einer hermeneutisch orientierten Rezeptionsforschung, denen die ‘werkadäquaten Konkretisationen’ letztlich zur Erstellung einer eigenen Super-Konkretisation oder ‘synthetischen Interpretation’ dienen” (1977: 5).
Infelizmente, a pesquisa de Gunter Grimm não foi traduzida para poder nortear a pesquisa empírica no Brasil; o reader de Warning se encontra traduzido para o espanhol, mas os textos fundamentais foram apresentados por Luis Costa Lima (1975/1983/2002, 1979/2002). O impacto da proposta (não automaticamente da teoria) da Escola de Constança no Brasil é visível por inúmeros trabalhos: Brecht no Brasil (1987), A Recepção da Escola de Frankfurt no Brasil (1994), Lima Barreto e sua Recepção (1995), Borges no Brasil (2001), Benjamin, Brasil (2006),

Referências Bibliográficas:

Angeli de Paula, Maria José, “A História da Literatura como Provocação à Teoria Literária de Hans Robert Jauss” (Resenha), in: Anuário de Literatura (Florianopolis) No. 2, 1994, Universidade Federal de Santa Catarina, Curso de Pós-graduação em Letras, Literatura Brasileira e Teoria Literária, pp. 185-187.
Bader, Wolfgang (Org. e introdução), Brecht no Brasil. Experiências e Influências. Rio de Janeiro:  Paz e Terra 1987.
Chacon, Vamireh. “A Recepção da Escola de Frankfurt no Brasil”. In: Revista Brasileira de Filosofia (São Paulo), Vol. XVI, Fac. 176, Out.-Dez. 1994: 453-457.
Figueiredo, Maria do Carmo L. O Romance de Lima Barreto e sua Recepção. Belo Horizonte: Lê 1995.
GRIMM, Gunter. Literatur und Leser. Theorien und Modelle zur Rezeption  literarischer Werke. Stuttgart: Reclam 1975.
Rezeptionsgeschichte. Grundlegung einer Theorie. Mit Analysen und Bibliographie. München: Wilhelm Fink 1977 (UTB 691).
IBSCH, Elrud. “A Recepção Literária”. In: Mark Angenot, Jean Bessière, Douwe Fokkema e Eva Kushner (Orgs.). Teoria Literária. Problemas e Persepctivas. Trad. Ana Luísa faria e Miguel Serras Pereira. Lisboa: Dom Quixote 1995.
Jauss, Hans Robert. Literaturgeschichte als Provokation. Frankfurt a.Main 1970 (edition Suhrkamp 418).
Lima, Luiz Costa (Org), Teoria da Literatura em suas Fontes. Rio de Janeiro: Francisco Alves 1975 (Cap. Estética da Recepção e do Efeito, pp. 305-440); Rio de Janeiro: Civilização Brasileira 2002 (Vol. 2: cap. G, pp. 873-1014).
A Literatura e o Leitor. Textos de Estética da Recepção. Rio de Janeiro: Paz e Terra 1979; 2ª. ed. revista e ampliada, Rio de Janeiro: Paz e Terra 2002.
Pressler, Gunter Karl. Benjamin, Brasil. A Recepção de Walter Benjamin no Brasil, de 1960 a 2005. Um Estudo sobre a Formação da Intelectualidade Brasileira. São Paulo: Annablume 2006 (livro e DVD-Rom).
SCHWARTZ, Jorge (Org.) Borges no Brasil. São Paulo: EDUNESP; Imprensa Oficial do Estado, 2001.
STEINMETZ, Horst. “7. Recepção e Interpretação”. In: A.Kibédi Varga (org.) Teoria da Literatura. Trad. Tereza Coelho. Lisboa: Presença [1982] (Original francês de 1981).
Warning, Rainer. Rezeptionsästhetik. Theorie und Praxis. München: Fink 1994 (4a ed.; original 1975).
Estética de la Recepción. Madrid: Visor 1989 (La Balsa de la Medusa, 31).



A Receptividade e a Percepção dos Aspectos Estéticos dos Contos de Christian Andersen por Leitores Empíricos da 5ª Série em Escola Pública Municipal

Rosa Maria Siqueira de Carvalho
Bolsista (PIPES/UFPA – 1998-2000)
Deysiane Teixeira Ferreira
Voluntária
Cadernos de Estudos Linguísticos e Literários/UFPA (Belém), No. 1, 1999


Durante muitos anos o estudo e o ensino da literatura foram efetivados em bases estilísticas e formais, nas quais o autor e a obra ocupam o lugar central, isto é denominado por Hans Robert Jauss (1967) como estética da produção. O resultado desse tipo de postura contribui para a formação de leitores passivos, desacostumados a estabelecer sua própria interpretação de uma obra literária ou mesmo de um simples texto.
A Estética da Recepção consiste em um novo olhar sobre a literatura, à medida que concede ao leitor uma posição privilegiada no estudo de uma obra literária. A literatura é uma expressão estética, ou seja, uma concepção complexa do belo e como tal pode ser apreciada em graus diferentes pelo leitor, visto que o ser humano tem uma capacidade inerente para a percepção estética (cores, formas). Sendo assim o leitor é capaz de perceber aspectos estéticos de uma obra literária, superficial ou profundamente, dependendo da sua formação e do “grupo” de leitores no qual está inserido.
Existem três grandes categorias de leitores empíricos, ou seja, leitores que tem existência real, opondo-se ao leitor implícito, que existe apenas na estrutura textual, na visão de Wolfgang Iser (1972/1994).
·         a primeira categoria é formada por leitores empíricos competentes, que se caracterizam por possuir um grande conhecimento sobre literatura e teoria literária (pesquisados por Jauss).
·         a segunda compreende o grupo de leitores empíricos informados, que possuem um conhecimento prévio de literatura e teoria literária: estudantes universitários da graduação (pesquisados por Gunter Grimm e outros).
·         a terceira é composta por leitores empíricos comuns, que se diferenciam dos anteriores por possuírem pouco ou nenhum conhecimento sobre literatura e teoria literária, e normalmente não se expressam de forma escrita (pesquisados por Gunter Grimm e outros).

Essas Categorias dividem-se em subcategorias por cinco fatores principais, a saber: hábitos de leitura, situações de leitura, expectativas de leitura, necessidades de leitura e experiências de leitura. Existem outros fatores de ordem social e intelectual que interferem na leitura, tais como: meio, idade, gosto, posição social, competência linguística, formação, conhecimento prévio, etc.
Partindo desse pensamento, pesquisadores como Gunter Grimm, Gerhard Köpf, Harmut Eggert, Hans Christoph Berg e Michael Rutschky, estimulados pelos estudos de Hans Robert Jauss, desenvolveram na Alemanha uma “onda” enorme de levantamentos empíricos. Esses estudiosos lançaram a proposta de trabalhar a literatura por via da experiência estética de leitores. Por ocupar uma posição privilegiada no âmbito literário, o leitor deve ser observado com atenção especial. Todas as categorias necessitam ter suas potencialidades explicitadas e valorizadas Para eles a experiência estética é o ato da insubordinação que se contrapõe a interpretações preestabelecidas de uma obra literária.

O presente estudo pretende evidenciar as características mais marcantes dos leitores empíricos comuns, através de observações realizadas por eles acerca da obra de Hans Christian Andersen. Baseando-nos em alguns estudiosos, podemos extrair características da obra de Andersen as quais serviram de parâmetros teóricos usados na pesquisa de campo.
Nelly Novaes Coelho (1991) aponta as seguintes características: o poder de tocar a sensibilidade do leitor, a humanidade, a emotividade, os personagens sofredores ou mesmo mutilados e a violência. E José Paulo Paes (1990) cita a presença dos elementos fantástico, escrita precisa e econômica, traços de amargura, presença do maravilhoso, caráter mordaz e poético dos contos, como pontos marcantes na obra do escritor dinamarquês.
Selecionamos sete contos para serem trabalhados durante a pesquisa de campo. São eles: “A Pequena Vendedora de Fósforo”, “A Sereizinha”, “O Isqueiro”, “A Menina que pisou no Pão”, “O Intrépido Soldadinho de Chumbo”, “O Patinho Feio” e “A Sombra”.
No primeiro conto trabalhado “A Pequena Vendedora de Fósforos”, identificamos as características da obra de Andersen, percebidas pelos leitores empíricos comuns e pudemos observar o funcionamento do conceito abordado por Jauss denominado Quebra do Horizonte de Expectativa, o leitor é envolvido e conduzido pelo narrador a esperar um determinado desfecho para a história, mas esse final acaba por surpreendê-lo, contrariando todas as hipóteses construídas ao longo da leitura. Segundo Jauss, uma obra literária, para ser considerada realmente uma obra de qualidade, deve romper o horizonte de expectativa do leitor.
Apresentamos a seguir um quadro expositivo com os primeiro dados recolhidos na pesquisa de campo:


Tópicos gerais
Subtópicos
Total de leitores
Características específicas da obra de Hans C. Andersen observadas a partir de um questionário subjetivo prévio apresentado aos leitores
a) Melancolia e tristeza
b) Maravilhoso
c) Religiosidade
d) Realismo
e) Linguagem trabalhada
f) Leitores que não apontaram os traços (b, c, d, e)
Todos
06
04
03
01

04
Reconhecimento da personagem principal observada a partir de um questionário subjetivo prévio apresentado aos leitores
a) Apenas a menina
b) A menina e a avó
c) A menina e a mãe*
d) A menina e os fósforos
e) Leitores que não identificaram nenhum personagem
12
02
01
01

02
Percepção dos aspectos de literariedade observados a partir da comparação do conto com um texto informativo feita através de discussões, gravadas em fita k7
a) Ficção
b) Maravilhoso
c) Verossimilhança
d) Estética
e) Linguagem trabalhada
f) Leitores que não perceberam nenhum aspecto de literariedade

16
16
16
16
16

02
Atribuição de títulos observados a partir de um questionário subjetivo prévio apresentado aos leitores
a) Títulos coerentes
b) Títulos incoerentes
13
05
Conceito de Jauss
a) Quebra do horizonte de expectativa
18
*Observação: A personagem mãe não existe no conto A pequena vendedora de fósforos, é fruto da imaginação de um único leitor.

Verificamos após o término da pesquisa de campo, primeiramente, a experiência estética dos leitores empíricos comuns, e posteriormente, compararemos o resultado obtido com análises feitas por leitores profissionais. Esse trabalho propiciará o melhor conhecimento sobre o leitor empírico comum e sobre a importância da obra de Hans Christian Andersen.

Referências Bibliográficas:

Coelho, Nelly Novaes. O Conto de Fadas. São Paulo: Ática, 1991 (2ª.ed.).
Eggert, Hartmut; Berg, Hans Christoph e Rutschky, Michael. „Zur notwendigen Revision des Rezeptionsbegriffs“. In: Walter Miiller-Seidel (Org.), Historizität in Sprach- und Literaturwissenschaft. Vorträge und Berichte der Stuttgarter Germanistentagung. München: Wilhelm Fink 1974.
GRIMM, Gunter. Literatur und Leser. Theorien und Modelle zur Rezeption  literarischer Werke. Stuttgart: Reclam 1975.
Rezeptionsgeschichte. Grundlegung einer Theorie. Mit Analysen und Bibliographie. München: Wilhelm Fink 1977 (UTB 691).
ISER, Wolfgang. Der implizierte Leser. Kommunikationsformen des Romans von Bunyan bis Beckett. München: Fink 1994 (3 a ed.; original 1972).
JAUSS, Hans Robert. A História da Literatura como Provocação à Teoria Literária. Trad. Sérgio Tellaroli. São Paulo: Ática 1994.
Köpf, Gerhard. Rezeptionspragmatik.
PAES, José Paulo (Org.). Contos de Andersen. Trad. Olivia Krähenbühl. São Paulo: Circulo de Livro/Cultrix [s.d.]

3 comentários:

  1. Amigos, sou membro do Clube de Leitura Icaraí e tivemos a alegria de receber o Prof Gunter em nossa última reunião. O assunto deste blog me interessa muito: estas pesquisas em leituras.Sou amante das Letras e formada em Port.Literaturas pela UFRJ. Atualmente participo do CLIc e vejo com grande alegria muitas destas teorias, relatadas aqui no blog,acontecendo acontecendo em nosso grupo, que é composto por pessoas de diferentres áreas. Podemos constatar, as visões, leituras diferentes, que cada um, com sua bagagem, faz de uma mesma obra. É um grande prazer participar do grupo e agora poder ler sobre o assunto leitura no blog o que muito pode fazer por nossas observações e enriquecimento. Fui grande admiradora de José Roberto, filho de Dalcídio Jurandir.
    Abraços ao Pará, terra que trouxe grandes contribuições à minha cuiltura através de cunhada, família e amigos dela , todos paraenses, todos "paidégua"! Parabéns oa blog!
    Abraços ,
    Eloisa Helena

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  2. Professor Gunter, parabéns pela rápida palestra no Clube de Leitura Icaraí (Niterói, RJ). Quanto ao seu blog, ótimo conhecê-lo! Virarei leitor assíduo! (Obs.: desculpe a observação, mas só as cores de letra e fundo que dificultam um pouco... a vista cansada de quem já passou dos 50 sofre nestes azuis... rsrs...). Forte abraço! Aprenderei um pouco de Teoria Literária com seu blog!!!

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  3. Retiro o que disse sobre as cores de letra e fundo. É que não tinha entrado ainda a foto do fundo, aí estava difícil ver. Quando carregou tudo, melhorou. Sorry...

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