domingo, 17 de abril de 2011

Prelúdio


Escola de Constança
Teoria da Recepção
Gunter Karl Pressler (UFPA)

Rômulo Fernando Martins de Sant’Ana
in memoriam

Na proposta da Escola de Constança (1967-1983), articulam-se as inquietações teóricas das mais variadas vertentes teóricas no campo de Letras desde a virada do século XIX ao século XX. Hans Robert Jauss reconhecia que na história da literatura “o leitor, claro, sempre esteve envolvido ― como destinatário do autor; como uma parte da mediação entre a obra e seu efeito; como um sujeito que recebe, seleciona e rejeita na formação da tradição. Não obstante, a história das artes, desde o começo de sua consideração científica no período do Humanismo Renascentista, foi de tal modo entendida como a história da obra e de seus autores; o leitor (ou público), como parte desta, não foi expressamente considerado, ou foi relegado ao campo «não-científico» da retórica” (Jauss, 1989: 117). A tematização desta última “parte” (Instanz) foi a inovação da Escola de Constança: compreender e teorizar a “história da literatura como processo comunicativo entre as três instâncias” (1983: 125) — conceituado como “história da recepção e do efeito das obras”.
No contexto do debate na Alemanha, a proposta, particularmente a de Jauss, a partir de 1977 (Ästhetische Erfahrung und Literarische Hermeneutik 1: Versuche im Feld der ästhetischen Erfahrung), se formou como contra-proposta à Estética Negativa de Theodor W. Adorno, da Escola de Frankfurt.
O nosso grupo de pesquisa na Universidade Federal do Pará começou a tratar da Escola de Constança no contexto do Programa de Iniciação Científica (PIBIC/CNPq), em 1998. Até hoje (abril de 2011), os resultados da pesquisa de 1998 a 2001, publicados em artigos e livros, continuam atuais em relação aos dados levantados (traduções e críticas), o que motivou o grupo atual de pesquisa e do blog a publicá-los. Os dados que devem ser atualizados se referem ao número dos trabalhos acadêmicos (dissertações e teses de doutorado) que tratam da proposta teórica e das aplicações da metodologia.
Primeiramente, neste blog, republicaremos os primeiros trabalhos daquele grupo de pesquisa, para então publicarmos, gradualmente, os resultados das atividades do grupo atual. O artigo aqui postado (revisto) é uma homenagem a um aluno talentoso, daquela primeira geração, que faleceu cedo demais.

Referências Bibliográficas:

Jauss, Hans Robert. Ästhetische Erfahrung und Literarische Hermeneutik 1: Versuche im Feld der ästhetischen Erfahrung. München: Fink 1977.
————————— Experiencia Estética y Hermenéutica Literaria: Ensayos en el Campo de la Experiencia Estética. Madrid: Taurus 1986.
———————— “Historia Calamitatum et Fortunatum Mearum. Oder: Ein Paradigmawechsel in der Literaturwissenschaft”. In: Forschung in der Bundesrepublik Deutschland. Beispiele, Kritik, Vorschläge. Weinheim: Verlag Chemie 1983: 121-134.
———————— “Historia Calamitatum et Fortunatum Mearum or: A Paradigma Shift in Literary Study”. In: Ralph Cohen (Org.). The Futur of Literary Theory. Trad. do alemão Rodger C. Norton. London: Routledge 1989: 112-128 (trad. da citação para o português: Fabrício N. de Luz Pinho)


A Repercussão da Estética
da Recepção no Brasil

Bolsista: Rômulo Fernando Martins de Sant’Ana
Orientador: Professor Dr. Gunter Karl Pressler
IX Seminário de Iniciação Científica da UFPA/1999

A importância da Estética da Recepção deve ser entendida a partir da sua proposta de reescrever a história da literatura mediada via horizonte de expectativa do leitor crítico e pela motivação de uma série de questionamentos das premissas que, até então, orientaram a historiografia no âmbito da literatura. Neste trabalho, a partir da leitura dos textos originais dos teóricos alemães da Escola de Constança e das traduções feitas no Brasil, será feito um estudo da repercussão desta vertente teórica no Brasil, em particular dos trabalhos de Hans Robert Jauss, a fim de explicitar o seu conteúdo teórico e sua metodologia e saber como foi lida, interpretada e aplicada no Brasil. Jauss é o inaugurador dessa nova estética ao propor uma história da literatura que conjugasse tanto a historicidade das obras quanto as suas qualidades estéticas, sem deixar que uma sobrepujasse a outra. Para Jauss a história da literatura deve levar em conta os critérios de recepção e efeitos produzidos pelas obras nos leitores, meta principal daquele que produz a obra e da obra em si. A historicidade da obra literária cumpre-se principalmente no horizonte de expectativa dos leitores e é através da mudança de horizonte que se pode verificar o valor artístico da obra. Nesses primeiros dois meses de trabalho, realizamos o levantamento bibliográfico e apresentamos esta proposta em dois eventos de ordem acadêmica: IV Fórum Paraense de Letras (UNAMA) e XIX ENEL- Encontro Nacional dos Estudantes de Letras, realizado na UFPA.

A Estética da Recepção e
suas Traduções Brasileiras

Rômulo Fernando Martins de Sant’Ana
Bolsista (PIBIC/CNPq – 1998-2000)
Cadernos de Estudos Lingüísticos e Literários/UFPA (Belém), No. 1, 1999


A publicação do texto de Hans Robert Jauss, Literturgeschichte als Provokation der Literaturwissenschaft, em 1967 (traduzida em 1994: A História da Literatura como Provocação à Teoria Literária) foi responsável, na década de 1970, pela redescoberta do interesse pela história da literatura. O texto de Jauss motivou tentativas de desenvolver modelos de análise dos complexos processos de transformação do fenômeno da literatura na tríade autor – obra – leitor. Jauss questiona as teses monocausais e globalizantes e também os conceitos evolutivos lineares a favor de explicações multicausais, funcionais e estruturais.
A proposta de Jauss tem como principal objetivo reescrever a história da literatura mediada via horizonte de expectativa do leitor. A proposta centralizou-se numa tentativa de conciliar o caráter histórico da obra de arte com seu caráter estético. Um dos méritos da Estética da Recepção foi pôr no centro da pesquisa o leitor, figura muitas vezes considerada irrelevante nas considerações sobre literatura, apesar de sua presença significativa na própria arte moderna, particularmente a partir dos movimentos de vanguarda no início do século XX. A inovação da Estética da Recepção “consistiu em ter ela abandonado a classificação da quantidade de exegeses possíveis e historicamente realizadas de um texto, em muitas interpretações ‘falsas’ e uma ‘correta’. Seu interesse cognitivo se desloca da tentativa de constituir uma significação procedente para o esforço de compreender a diferença das diversas exegeses de um texto” (Gumbrecht, 1975).
Em 1979, Luis Costa Lima organizou a coletânea A Literatura e o Leitor, contendo ensaios importantes de teóricos da Escola de Constança: A Estética da Recepção: colocações gerais e O Prazer Estético e as Experiências Fundamentais de Poiesis, Aisthesis e Katharsis, de Hans Robert Jauss; A Interação do Texto com o Leitor, de Wolfgang Iser; Que Significa a Recepção dos Textos Ficcionais, de Karlheinz Stierle; Sobre os Interesses Cognitivos, Terminologia Básica e Métodos de uma Ciência da Literatura Fundada em uma Teoria da Ação, de Hans Ulrich Gumbrecht. Esses foram os primeiros trabalhos da Escola de Constança traduzidos no Brasil.
Em 1983, a segunda edição do reader, organizado por Luis Costa Lima, A Teoria da Literatura em suas Fontes, oferece mais uma coletânea de ensaios dos teóricos da Estética da Recepção: O Texto Poético na Mudança de Horizonte da Leitura, de Hans Robert Jauss; Os Atos de Fingir ou o que é Fictício no Texto Ficcional e Problemas da Teoria da Literatura Atual, de Wolfgang Iser; A Teoria do Efeito Estético de Wolfgang Iser, de Hans Ulrich Gumbrecht.
Finalmente, em 1989, Regina Zilberman publica a pesquisa sobre a Escola de Constança: A Estética da Recepção e História da Literatura. Nesse livro, a autora, além de apresentar os pressupostos teóricos e metodológicos da Estética da Recepção, comenta os principais ensaios de Jauss e faz também uma primeira aplicação no romance Helena, de J. M. Machado de Assis. Zilberman incentiva também a primeira tradução no Brasil do texto que inaugurou a Estética da Recepção, publicado em 1994: A História da Literatura como Provocação à Teoria Literária, de Hans Robert Jauss. Em Portugal já havia uma tradução desse texto em 1974.
Em 1996, Heidrun Krieger Olinto traduz e publica mais um texto de Jauss na coletânea intitulada Histórias de Literatura: as Novas Teorias Alemãs, no qual a autora mostra a importância da Estética da Recepção no contexto dos estudos da história da literatura na Alemanha pós-guerra.
No Brasil, diferentemente do que se acreditava, a indiferença quanto à Estética da Recepção não foi tão grande. As publicações, em 1979 e 1983, das coletâneas contendo os ensaios importantes dos teóricos da Estética da Recepção, mesmo realizada doze anos após a inauguração dessa vertente, aconteceram logo após o lançamento das edições francesa e americana. “Todavia, quando a antologia apareceu, outras tendências teóricas vinculadas, sobretudo, aos trabalhos de M. Bakhtin, W. Benjamin e J. Lacan, estavam igualmente sendo divulgadas, atraindo o intelectual brasileiro e, ao mesmo tempo, diversificando as opções de investigação, enquanto se encerrava o ciclo estruturalista, tão marcante e quase hegemônico durante a década de 70” (Zilberman, 1989: 6).
O que Zilberman não levou em conta é que tanto a tradução francesa quanto a americana trazem a conferência inaugural de 1967, na qual estão os pressupostos teóricos e metodológicos da Estética da Recepção, essenciais para entender a sua proposta. Luis Costa Lima ao optar por textos nos quais o tema central é a experiência estética, deixando de fora a conferência, teria truncado o entendimento dessa vertente teórica no Brasil e teria impossibilitado, assim, uma melhor compreensão da importância que assume a experiência estética do leitor na proposta de Jauss a respeito da nova escrita da história da literatura para a própria historiografia brasileira. A segunda coletânea de textos teóricos feita por Costa Lima, em 1983, traz o ensaio “O Texto Poético na Mudança de Horizontes de Leitura”, no qual Jauss está mais próximo de uma Hermenêutica Literária e faz uma análise do segundo poema “Spleen” de Charles Baudelaire. Nessa análise já havia um avanço da própria tese de Jauss. Concluindo, o texto que talvez tenha mais contribuído para a divulgação da proposta historiográfica da Estética da Recepção no Brasil é o livro de Regina Zilberman.
A Estética da Recepção, como já se disse anteriormente, é uma das vertentes mais importantes do século 20, dos estudos da Teoria Literária e da História da Literatura. A sua explicitação e aplicação contribuirão para o entendimento do fenômeno literário como histórico e estético, trazendo alternativas e ampliando possibilidades de estudos nessas áreas de conhecimento.


Referências Bibliográficas:

Gumbrecht, Hans Ulrich, “Sobre os Interesses Cognitivos, Terminologia Básica e Métodos de uma Ciência da Literatura Fundada na Teoria da Ação”. In: Luis Costa Lima (Org. e trad.). A Literatura e o Leitor. Textos da Estética da Recepção. Rio de Janeiro: Paz e Terra 1979 (2ª ed. revista e ampliada 2002).
JAUSS, Hans Robert. A História da Literatura como Provocação à Teoria Literária. Trad. Sérgio Tellaroli. São Paulo: Ática 1994.
—————————— História Literária como Desafio à Ciência Literária, Literatura Medieval e Teoria dos Géneros. Trad. Ferreira de Brito. Lisboa: José Soares Martins [1974].
—————————— A Literatura como Provocação (História da Literatura como Provocação Literária). Trad. Teresa Cruz. [Lisboa]: Veja 1993 (Passagens).
Lima, Luis Costa (Org.). A Literatura em suas Fontes. Vol.2. Rio de Janeiro: Francisco Alves 1983 (2ª ed. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira 2002).
Olinto, Heidrun Krieger (Org.), Histórias de Literatura: as Novas Teorias Alemãs. São Paulo: Ática 1996.
Zilberman, Regina. A Estética da Recepção e História da Literatura. São Paulo: Ática 1989.


Postado por Gunter Karl Pressler, Érika Canavarro e Mário Neto.

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